Há uns dias, enchi-me de coragem e abri outra vez a porta (de parte) da casa dos meus avós maternos. O que resta dela. Empurrei a porta, mas o telhado caiu e o entulho dificulta a tarefa. Ainda assim, empurrei com força e, mesmo sem entrar, vi toda a "casa do forno" da minha avó. Por instantes, vi o lavatório de ferro, a bacia verde e o sabão azul e branco. Logo ao lado, a vassoura de urze ou de milho painço. Atrás da porta, o saco com a farinha que o Laronha tinha trazido à quarta feita. Logo ao lado, a Cantareira com os cântaros de água das Frazoas que a minha avó, qual equilibrista, tinha trazido à cabeça por cerca de um quilómetro. Ao lado da cantareira, a arca pequena do pão pintada de verde e que servia de banco. Por cima da arca, pendurada ne parede, uma prateleira também pintada de verde com uns suportes em ferro que eu não me cansava de admirar. Achava-os lindos. Em frende à porta, o armário, de côr indefinida, onde entre outras coisas, descansava a terrina branca, sem tampa, onde a avó tinha sempre o fermento para a próxima cozedura. E ao lado, a pequena mesa, baixinha, com duas cadeiras igualmente pequenas e baixas como se fossem mobília de anões. Mas em destaque, imponente e sempre utilitária, a lareira com a fornalha. Com as brasas sempre acesas, de uma refeição à outra. Bem aconchegada, sempre ali a jeito, a cafeteira do café. Na parede, a candeia. E pendurada no suporte de madeira centenária, a saca de serapilheira, dobrada em forma de capuz que o avô usava a substituir o chapéu de chuva. A avó não se sentava à mesa, comia sentada na lareira, encostada ao suporte de madeira. O Avô comia depressa, sem conversas, com pressa de ir pra cama descansar da dura azáfama, e eu, já arrependida de não ter ido pra casa, ficava ali, a vê-los adormecer sentados. As telhas negras do fumo entristeciam-me. Tudo ali me entristecia. Não era feliz aqui. Mas é parte da minha história. Das minhas pessoas. De mim. E agora, sem telhado, tudo despido de coisas e de vida, aquele espaço é, apenas, o retrato da morte.
Armei-me em forte e ainda fui tentar abrir o portão do pátio. Consegui e lá estava ele, tão morto como o resto. O curral da burra, tem a porta "fechada" por mato. O galinheiro, é agora um gatil de felinos desgraçados sem outro teto e que fugiram, admirados de me verem entrar. Os seixos, antes tapados com bosta das galinhas, estão agora à mostra, entre o mato, como ossos descarnados da minha infância.
O resto da casa está igualmente morto, mas fechado à chave.