segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Realidades


Ia por aquela rua abaixo, deserta, e veio-me à memória o movimento, a confusão que ia naquela rua noutros tempos aquela hora. Havia transito nos dois sentidos, havia muitas lojas, havia gente, havia barulho, havia a “praça”, onde eu comprava, no intervalo da manhã, no tempo delas, a maior laranja que encontrava à venda. Todos os dias almoçava no mesmo restaurante, onde também almoçavam os meus amigos Z. V. e G.

Eles traziam comida de casa e só consumiam uma cerveja, mas o Sr. A. E a D. L. não se importavam que eles ocupassem uma mesa na sala de cima que tinha sempre poucos fregueses. Eles iam lá de manhã pôr o saco, iam à sua vida e ao almoço lá estavam. E eu também. Durante anos. Eu comia um prego no pão, que bem podia comer na escola, mas os donos do restaurante eram amigos dos meus pais, que lhes tinham dado a incumbência de me “guardarem” no intervalo do almoço e assim tinha de ser. Passávamos um bom bocado na conversa, sem assédios, sem merdas, em pura camaradagem.

Eramos os quatro de aldeias ali próximas, cada um de uma. Depois do almoço, ficávamos um bocado à porta, a ver passar sempre as mesmas pessoas, que passavam sempre à mesma hora.

Depois, o Z. ia para a retrosaria onde trabalhava e que agora, já fechada,  é a Loja do Cidadão, o V. que era sapateiro, ia abrir a porta da sapataria mesmo ali em frente, num rés do chão de um prédio que já não existe e o G, ia para o escritório da serração onde trabalhava, que foi demolida e onde agora existem vários prédios, e eu ia para a escola. No dia seguinte, tudo se repetia.

Agora, sem vivalma, na mesma rua, entrei na loja do Z., que entretanto abriu o seu próprio negócio, o sonho de uma vida, para que me pusesse seis molas num casaco que fiz para a Papoila mais crescida, e um ilhoses para umas coisas que tinha pensado fazer. Gosto sempre de ver o Z.. Disse-lhe ao que ia, e enquanto ele foi tratar do assunto, fiquei por minutos à porta da loja, à espera. A loja do Z., fica mesmo, mesmo em frente à antiga praça e era em tempos uma mercearia. E lembro-me que tinha um velho moinho de café onde se moia o grão na hora e que dava a todo o espaço um cheirinho a café que chegava à rua. Onde antes havia confusão, barulho, movimento, há agora solidão, quietude, silencio. Por momentos, pareceu-me ver tudo como antes, os carros a passarem devagar, com folhas de couve ainda agarradas aos  pneus, os pregões das peixeiras, o cacarejar das galinhas vivas e os pregões das vendedoras de fruta. Quando o Z. voltou com as molas postas no casaco, olhou pra mim e tenho a certeza que adivinhou o que eu estava a lembrar.

Perguntei-lhe se o negócio ia bem e ele encolheu os ombros e respondeu-me que não há clientes. Logo……

Despedi-me e fui pôr o casaco no carro e buscar umas coisas de que precisava para o que ia fazer a seguir. Abri o carro ainda de longe e reparei que lá perto estava uma “feira” de natal montada. Com carrocel e tudo. Com tudo isto, passei pelo carro e segui já esquecida do que ia fazer. E o que foi que eu vi? Uma carrocel a andar à volta…..sozinho, um vendedor de farturas à espera de clientes e mais uns vendedores de umas barraquitas por ali a olhar pra mim como se vissem um fantasma. 

A cidade, que antes era vila, cresceu a olhos vistos. Mas onde estão as pessoas?

 

 

 

    

 

 

 

 

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