sexta-feira, 27 de março de 2020

Crónica de um dia de quarentena

Ontem. Acordei cedo e fui dar uma volta com os cães. Mal tinha começado, já estava a cair num buraco. Black Mantorras tem feito umas escavações na procura de toupeiras, que este ano tomaram o lugar das formigas. Há lavouras por todo o lado e eles sentem-lhes o cheiro e cavam à procura. O resultado é um sem numero de buracos que com a erva ficam tapados e são autenticas ratoeiras. Lá me levantei e por lá andamos um bom bocado. Como tenho tido muito tempo, não há fungo, ácaro, aranha ou grão de pó que resista a super Helena. É limpinho. E lá fui continuar a fachinar, não sem antes responder ao chamado do homem, que anda numa de D. Quixote e desatou a fazer moinhos de vento como se não houvesse amanhã. Com o meu sobrinho regressado de França há uns dias, a minha mãe mudou-se por uns tempos para casa da minha irmã que fica ao lado. Mas eu tinha MESMO de ir a casa dela. Improvisei um EPI, lá me enrolei da cabeça aos pés e fui sem que o puto sequer desse por mim. Cheguei a casa, desenrolei-me, lavei bem as mãos e fui espreitar o tele. Uma chamada da minha mãe. Que como já disse, está em casa da minha irmã a cinco metros da minha. Achei irónica a situação de estarmos a falar assim mas ela lá me foi dizendo que o irmão tinha tido um AVC mas como os médicos não o quiseram no hospital, tinham-no mandado pra casa. Mijado mas a andar. Menos mal, respondi eu. E lá fomos almoçar. Grão com bacalhau, regado com um bom copo de tinto, às tantas feito de tudo menos de uvas mas com um grau de alcoolémia suficiente para me desinfetar a guela. Antes do almoço, ainda fui ao contentor pôr o lixo e combinei uma passeata com a M. para as quatro e meia. Pode parecer que não ligamos às recomendações mas como não nos íamos tocar ou cuspir pareceu-nos bem, depois de alguns dias enfiadas em casa. Pouco passava das três já eu estava em frente à casa dela. Ia abrir o portão como de costume, mas verifiquei com espanto, que ela tem uma campainha. Nunca a tinha visto antes. Toquei  e ela apareceu, contente por eu ter chegado mais cedo. Se fosse no tempo em que havia papel higiénico, eu entrava porta adentro, dava um abraço bem apertado à tia N., um beijo bem repenicado e ainda dávamos dois dedos de conversa. Agora, lá fomos, uma atrás da outra, como se houvesse muito transito na "nossa" estrada e não pudéssemos ir ao lado uma da outra. Fomos ao multibanco. Em casa tinha-me lembrado que devia levar luvas, mas entretanto tinha-me esquecido. Mas meti a mão no bolso do casaco e não é que tinha lá dentro uma luva do LIDL, daquelas de usar no pão? Coincidência feliz. A seguir fomos à nova mercearia. Ainda nunca lá tinha ido e quando cheguei à porta vi que lhe tinham posto o nome de Mercearia Alecrim. Gostei. À porta estavam duas ou três pessoas que eu não conheci, longe umas das outras(!), a olharem uns pra cada lado e lá vou eu escada acima a entrar na mercearia quando o dono me diz que tinha de ir pra fila (?) porque só podia entrar uma pessoa de cada vez. Apeteceu-me dar-lhe uma dentada, mas sorri e pedi desculpa.. Enquanto esperava, ajudei a D. A. a descer a escada e ali ficamos a conversar um pouco, ela a falar quase de boca fechada pra não lhe cair a placa. Quando chegou a minha vez, ela lá foi andando, devagar, amparada na bengala, com um restício de altivez de outros tempos, embrulhada no casaco de viúva salpicado de pelos de gato e cão, a denunciar cumplicidades.
Já no caminho de regresso a casa, ainda a apanhamos, sentada a descansar da pequena caminhada mas imensa para a suas já poucas posses e levei-lhe o carrinho até à porta. O vento estava tão frio, que comentei com a M. que quando chegasse a casa, em vez do meu habitual duche diário de água fria, iria tomar um banho bem quentinho porque estava a sentir-me gelada. E assim fiz. Enchi a banheira, e, como tinha feito com as Papoilas uns sais de banho, lá fui toda lampeira despejar uma boa mão cheia de sal cheiroso e vermelho. Quando a água começou a arrefecer, puxei a minha alva toalha e limpei-me ainda a cheirar à essência do sal. Vou a olhar pra toalha e o que foi que eu vi? Tudo cor de rosa. A porra do sal tinha tingido a água, que me tingiu a toalha.
De maneiras que é melhor nem continuar, porque até ao fim do dia decorreu tudo mais ao menos na mesma linha.


quarta-feira, 25 de março de 2020

Em quarentena forçada...




.."A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia."
Ludwig van Beethoven

segunda-feira, 23 de março de 2020

"CURAR"

E as pessoas ficaram em casa.
E leram livros e ouviram música
E descansaram e fizeram exercícios
E fizeram arte e jogaram
E aprenderam novas maneiras de ser
E pararam
E ouviram mais fundo
Alguém meditou
Alguém rezava
Alguém dançava
Alguém conheceu a sua própria sombra
E as pessoas começaram a pensar de forma diferente.
E as pessoas curaram.
E na ausência de gente que vivia
De maneiras ignorantes
Perigosos, perigosos.
Sem sentido e sem coração,
Até a terra começou a curar
E quando o perigo acabou
E as pessoas se encontraram
Eles ficaram tristes pelos mortos.
E fizeram novas escolhas
E sonharam com novas visões
E criaram novas maneiras de viver
E curaram completamente a terra
Assim como eles estavam curados.
(Kathleen O ' Meara)

sábado, 21 de março de 2020

Em dia mundial da poesia

De Miguel Torga
Nada me dês nem peças.
E não meças
O que podias dar e receber.
Fecha a própria riqueza do teu ser.
Um de nós era a mais
À lírica janela…
Olharam-se os zagais,
Mas não houve novela.
A vida assim o quis,
A vida sem amor.
Não regues a raiz
Do que não teve flor.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Com tudo de pernas pro ar...

… é precisa imaginação para entreter as Papoilas.
Aqui, o resultado de "laboratório de perfumes".
Perfume sólido, ambientador, sais de banho, e água de perfume.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Do trovador ribatejano Pedro Barroso

Violentíssima ternura

Que a vida fosse a mesma festa sempre
E os olhos encontrassem teu sorriso
Um pouco mais de tempo e era a felicidade
Um pouco mais de céu e era o paraíso

……………………...

segunda-feira, 16 de março de 2020

Vírus d`uma cana! C`um carago!

Estou impressionada com as minhas habilidades com os cotovelos. E com os pés? ui!
E com o valor de uma simples folha de papel higiénico?
A malta tá toda a pensar que morre a cagar e não quer chegar às contas com o S. Pedro de rabinho sujo. Afinal somos todos asseadinhos.
Ah! A propósito, tenho uns rolitos de papel que troco por um carro novo ou um jatito (se já vier com piloto).

sábado, 14 de março de 2020

Para muitas pessoas, ...

… cidadania, civismo, tolerância, humildade, bom senso e muitas outras, são apenas palavras impressas no dicionário com uma encadernação XPTO que descansa na estante a decorar a sala (mas que nunca foi aberto).

quarta-feira, 11 de março de 2020

Tenho duas filhas em isolamento profilático...

… desde que chegaram de Florença.
E tenho imagens como esta a chegarem-me com fartura. 
E tenho uma vontade maluca que o raio do bicho desapareça…..para ver ao vivo.

terça-feira, 10 de março de 2020

Depois do funeral do meu pai...

… cheguei a casa exausta e numa tristeza imensa. Não entrei logo, deixei-me cair no banco de pedra e ali fiquei um bom bocado a lembrar-me dos nossos melhores momentos.
Alheios à minha dor, os pardais continuaram a fazer os ninhos, as glicínias, sem pudor, continuaram a explodir em cachos de aroma e cor, os pessegueiros mais pareciam bolas de algodão doce, a figueira e o salgueiro já começam a vestir-se e tudo à minha volta continuou o seu ciclo como se nada tivesse acontecido. Como se apenas um grão no deserto tivesse mudado de lugar.
Na verdade, até eu já estava cheia de planos para os próximos dias.
E é assim que tem de ser.

quinta-feira, 5 de março de 2020

terça-feira, 3 de março de 2020

Isto não é eutanásia?

Uma pessoa tem um familiar, com mais de oitenta anos, a quem foi diagnosticada em Setembro uma doença grave com um prognóstico de, no máximo, três meses de vida. Retiveram no hospital apenas para dar sangue e hidratar com soro e mandaram pra casa a aguardar o desfecho fatal, com uma médica meiguinha, delicada, fofinha a garantir que daí a pouco tempo começaria a ser seguido em consulta (externa) de cuidados paliativos.

Uma pessoa (e outras pessoas) foram cuidando e levando às urgencias, o doente em fase terminal, sempre que aparecia um sintoma novo. (e sempre a ver cara feia de quem o atendia, já que, os hospitais não querem velhos, muito menos naquele estado. Vejam lá se o deixam morrer e depressa, era o que nos diziam os semblantes de todos os que o atendiam). Como o referido doente não era beneficiário da Seguranças Social mas da ADSE, nunca tinha direito a ambulância para o regresso a casa, tendo que uma pessoa passar horas a arranjar uma ambulância em cima da hora.

E o tempo foi passando, e o doente, valente, lá foi fintando a malvada e resistiu até que ao fim de cinco meses (deram-lhe três meses de vida), lá apareceu uma consulta de cuidados paliativos. Foi o hospital que marcou, mas ainda assim, foram as pessoas do doente a requerer (e pagar) o transporte na ambulância. No gabinete, uma médica fofinha, meiguinha, doce, perguntou à pessoa se estava preparada para perder o familiar. A pessoa, com muita vontade de a mandar à merda, lá lhe disse que não estava preparada mas estava consciencializada. Ela e as outras pessoas. Uma pessoa fez algumas perguntas, entre as quais, como iria alimentar o familiar dali para a frente, já que, mesmo com seringa, já era muito complicado dar-lhe a alimentação (!) e até água. Médica fofinha, disse então à pessoa que quando o idoso não conseguisse mais deglutir, então não havia outra forma de lhe colocar nada no estômago porque isso era um sinal de que o fim estava próximo e o organismo se recusava a receber alimento (e água). Uma pessoa perguntou o que fazer nessa altura e médica fofinha encolheu os ombros, ao mesmo tempo que sorria carinhosamente para uma pessoa. Colocou um penso de morfina no doente e receitou morfina em gotas para quando o pobre estivesse mais inquieto, sinal de dores. Mas que não o levassem ao hospital, de maneira nenhuma. Ora, o doente teria de morrer sem dores mas seco, já que não podia ir ao hospital receber soro para o hidratar. Nessa altura, uma pessoa percebeu porque de vez em quando algum médico leva um murro na tromba.

Uma pessoa chega a casa com o doente, transmite o recado às outras pessoas e todas ficam apavoradas com a iminência de verem o familiar morrer sem poderem sequer dar-lhe água (ou pedir ajuda no hospital para o porem a soro).

Passaram três dias, com o doente a deglutir com cada vez mais dificuldade, e no domingo, uma pessoa, esfrangalhada de dor por ver o seu familiar a deitar pra fora tudo o que lhe tinha conseguido dar, e ver que nem com morfina o coitado descansava, chamou o INEM para o levar às urgências.
A mesma coisa, mas lá o puseram a soro. À noite, pessoa em casa porque não podia acompanhar o doente no hospital, foi contactada por uma unidade com uma sigla também fofinha mas que deve existir apenas para ostentar tão pomposo nome, no sentido de sugerir às pessoas daquele doente um internamento domiciliário, com visitas de médicos e enfermeiros duas vezes por dia, sendo que, estavam disponíveis 24 horas por dia, os queridos. As pessoas do doente teria que assinar um documento a dar permissão. Como já era tarde, tanto a pessoa como as outras pessoas, ficaram de  lá ir no dia seguinte logo de manhã cedo resolver os problemas inerentes à nova situação. Chegados lá na manhã seguinte, já o doente tinha alta, já tinham chamado ambulância para o levar a casa (já não importava se era da ADSE, o que interessava era tirá-lo dali) e sobre a conversa da noite anterior ninguém sabia nada. Perante a indignação e surpresa da pessoa, lá apareceu alguém que garantiu que tinha ficado tudo sem efeito porque as pessoas do doente não tinham concordado. Pessoa a ligar à médica fofinha dos Cuidados Paliativos que também ela se tinha disponibilizado para qualquer problema que surgisse apesar de a pessoa apenas a poder contactar por telefone. Médica fofinha a dizer o mesmo que os outros, mas com voz doce muito meiguinha. Doente em casa, a morrer lentamente sem direito a morrer, sequer, hidratado.

Doente a vir pra casa, mijado do gorro às peúgas.

Uma pessoa tem, neste momento, vontade de dar uns murros nas trombas de médicos fofinhos.  



segunda-feira, 2 de março de 2020