Cheguei já cansada e encostei-me ao muro, já a ver a minha avó e a criação da ti F. com o galo pedrês de pescoço pelado da cor do fogo a comandar a galinhagem.
Os Bordões de S. José já estavam em flor debaixo da figueira, mas as tangerinas já maduras (no verão!!!!!) debruçavam-se amontoadas ao meu lado como se estivéssemos todas a posar para uma foto. O tio J., de barrete e grosso casaco preto, enrolava um cigarro encostado à cantaria da porta enquanto a tia F. despejava para a rua um alguidar de água. Cumprimentei-os com um beijo e a tia mandou-me entrar pra comer um bolo de noivo daqueles que ela tinha sempre em casa e que davam cheiro aquela cozinha (a tia era cozinheira em casamentos). Como sempre, tinha massarocas penduradas na parede e uma toalha branca, bordada, no lavatório de ferro. Atrás da porta, uma saca de linhagem dobrada em forma de capote que guarda o sol no verão e a chuva no inverno. Peguei no bolo, saí e já o meu avô estava à porta da adega a compor o barrete, acabadinho de se levantar da arca grande da adega onde tinha estado a descansar. A avó, de lenço cinzento e ainda com a rodela na cabeça com que tinha ido buscar água à fonte, levou-me para a casa do forno. No pequeno terraço, estava a cadeirinha baixa pintada de verde e o açafate dela ainda com uma camisa do avô por acabar de cerzir. Cheirava a café (como sempre, havia café acabado de fazer). No lastro da lareira, o alguidar com a loiça lavada ao lado da vassoura de urze. A mesa, baixa e com um linóleo castanho aos losangos, estava posta para mim e o avô. Ela bebia só café com pão sem nada. Peguei num púcaro de esmalte e fui à cantareira tirar água da bilha acabada de chegar da fonte.. Jantamos e pouco falamos. A avó era de poucas falas. Mas o avô fez-me cócegas e brincou comigo, pouco, já a imaginar a cama onde o cansaço de um dia puxado de trabalho chamava por ele, apesar de ainda não ser noite cerrada.
Fui fazer a minha higiene na bacia de esmalte onde lavávamos tudo, mandei a água para a estrumeira e a avó levou-me ao quarto, o melhor da casa, que ela guardava para as visitas. Disse que me deitasse e dormisse bem, enquanto fechava as portadas da janela por onde se viam aos montes a grandes rosas de açafate, que já tinham perfumado o quarto. Antes de adormecer, a avó ainda veio, de candeia na mão e com o longo cabelo branco solto, compor a roupa e fechar a porta. Acordei com o galo a cantar e o cheiro a café e..................
acordei sem ter a certeza se tinha sido um sonho ou apenas uma lembrança.
E juro, cheirava-me a café!
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