Há alturas na nossa vida, em que nos dá para fazer balanços.
Balanços de vida (ou talvez seja só eu). Quando se chega à minha idade, já
ganhamos muito, é certo. Já temos filhos, netos, amigos (ou não),casas, carros,
coisas várias que foram formando o nosso ativo. Mas, em contrapartida, já
perdemos muito. Perdemos a juventude, perdemos pessoas, perdemos animais (pra
mim, verdadeiros amigos),perdemos coisas…Já temos um longo passivo.
Por estes dias, tenho andado perto da casa que era dos meus
avós maternos. Uma rua antes cheia de vida. Muitas pessoas, alegria.
Agora, restam dois velhos. Os meus tios. E eu nem sei como é que eles ficaram
assim velhos de repente. Ainda ontem eram tão novos e o Carlitos tinha acabado
de nascer (e agora tem mais de cinquenta anos). Por ali andam, coxos e tristes.
Como se tivessem de continuar guardiões daquele pedaço de terra que começa a
esboroar-se. Da casa dos meus avós, lembro com mais saudade a casa do forno.
Era a “sala de visitas da casa”. Sempre cheia. De vizinhos, de netos, de
amigos, de galinhas, e outros animais (saudades do Nerú e do Marquês). Era
pequena. Mas cabia sempre mais um. Lá dentro ou do lado de fora. Parece que
estou a ver a minha avó sentada perto da lareira, mãos no regaço, lenço na
cabeça e sempre a “tomar conta” da cafeteira do café que estava em cima da
“fornalha”, a candeia pendurada na parede, a pequena mesa com restos de tinta
azul- turquesa, a cadeira pequena do meu avô, o armário verde, a prateleira
(linda) de ferro forjado e madeira já sem cor, a peneira pendurada atrás da
porta de zinco ondulado, o saco de farinha para a cozedura seguinte e a
cantareira com dois cântaros que a minha avó ia encher à fonte das Frazoas e
transportava até casa com uma destreza de modelo em passerelle. A fonte, que
naquele tempo tinha fartura de água, secou por lhe arranjarem “vizinhos”
eucaliptos. Nem uma gota. E a porta de zinco da casa do forno da minha avó está
há muitos anos fechada. Já tive vontade abri-la. Mas o que ela agora guarda, já
não são as minhas lembranças. Essas, guardo-as eu.
E pensando melhor, até o que perdemos, e porque continua na
nossa lembrança, continua nosso. Só deixará de o ser, quando nós próprios
formos apenas uma lembrança para os que ficarem. Ou seja, o saldo é sempre
positivo.
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