segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Contabilidade


Há alturas na nossa vida, em que nos dá para fazer balanços. Balanços de vida (ou talvez seja só eu). Quando se chega à minha idade, já ganhamos muito, é certo. Já temos filhos, netos, amigos (ou não),casas, carros, coisas várias que foram formando o nosso ativo. Mas, em contrapartida, já perdemos muito. Perdemos a juventude, perdemos pessoas, perdemos animais (pra mim, verdadeiros amigos),perdemos coisas…Já temos um longo passivo.
Por estes dias, tenho andado perto da casa que era dos meus avós maternos. Uma rua antes cheia de vida. Muitas pessoas, alegria. Agora, restam dois velhos. Os meus tios. E eu nem sei como é que eles ficaram assim velhos de repente. Ainda ontem eram tão novos e o Carlitos tinha acabado de nascer (e agora tem mais de cinquenta anos). Por ali andam, coxos e tristes. Como se tivessem de continuar guardiões daquele pedaço de terra que começa a esboroar-se. Da casa dos meus avós, lembro com mais saudade a casa do forno. Era a “sala de visitas da casa”. Sempre cheia. De vizinhos, de netos, de amigos, de galinhas, e outros animais (saudades do Nerú e do Marquês). Era pequena. Mas cabia sempre mais um. Lá dentro ou do lado de fora. Parece que estou a ver a minha avó sentada perto da lareira, mãos no regaço, lenço na cabeça e sempre a “tomar conta” da cafeteira do café que estava em cima da “fornalha”, a candeia pendurada na parede, a pequena mesa com restos de tinta azul- turquesa, a cadeira pequena do meu avô, o armário verde, a prateleira (linda) de ferro forjado e madeira já sem cor, a peneira pendurada atrás da porta de zinco ondulado, o saco de farinha para a cozedura seguinte e a cantareira com dois cântaros que a minha avó ia encher à fonte das Frazoas e transportava até casa com uma destreza de modelo em passerelle. A fonte, que naquele tempo tinha fartura de água, secou por lhe arranjarem “vizinhos” eucaliptos. Nem uma gota. E a porta de zinco da casa do forno da minha avó está há muitos anos fechada. Já tive vontade abri-la. Mas o que ela agora guarda, já não são as minhas lembranças. Essas, guardo-as eu.
E pensando melhor, até o que perdemos, e porque continua na nossa lembrança, continua nosso. Só deixará de o ser, quando nós próprios formos apenas uma lembrança para os que ficarem. Ou seja, o saldo é sempre positivo.

 

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