Já aqui falei dela.
Era como a maioria dos professores da época.
E eu tinha medo dela. Tinha medo de errar. Tinha até medo de falar.
Uma vez, disse "lançol" em vez de lençol e levei uma chapada que na altura nem soube bem porquê.
Quando era inverno, e como a maioria de nós tínhamos de andar vários quilómetros até chegarmos à escola, havia mais atrasos. Brincavamos com o gelo das poças, chapinhávamos na água...
Todos crianças tão pequenas.
Alguns, como eu, tinham mães que não estavam habituadas a horários e levantavam-se quando acordavam. Muitas vezes tarde demais.
Eu, com seis anos é que tinha de ser responsável pelo meu horário porque para a minha mãe era sempre cedo. Tinha sempre pena de me acordar. Chegava quase sempre a horas, a não ser que os colegas me conseguissem convencer que era melhor brincarmos mais um bocadinho no caminho. Até porque, muitos deles, e principalmente delas, quando saíssem da escola não podiam brincar mais. Tinham de trabalhar. Eles, a ajudar os pais, elas a ajudar a cuidar dos irmãos e da casa.
Mas quando se chegava atrasado não havia desculpas. Umas boas reguadas eram o castigo de quem se atrevesse. Eram chamadas à secretária da professora, e, uma a uma, todas tinham de estender a mão, a medo, muito medo. Como apanhávamos muito frio no caminho, todos nós andávamos de beiços secos, gretados, e quando se fazia aquele esgar de dor durante o castigo as gretas abriam e era sangue, ranho e lágrimas.
Eu via aquilo (por acaso nunca tive um desses castigos)e também a mim me doía.
Queria ter coragem para ir lá busca-las (tenho de referir que eram só meninas porque naquele tempo não havia misturas), e dizer à professora tudo o que pensava de tamanha barbaridade.
Nem todas tinham o mesmo castigo. As filhas das pessoas com alguma importância na terra, essas podiam tudo. E nunca eram castigadas.
Eu, menina pobre, e vestida com as roupas que a minha mãe cozia à mão à luz de um candeeiro a petróleo, era um alvo certo, não fosse ser muito boa aluna. Não tanto por gosto de andar na escola, mas por medo da professora e dos castigos que me poderia aplicar.
E foi assim durante toda a primária.
Há uns anos, lembraram-se por aqui, de lhe fazer um jantar de homenagem.
Eu, por solidariedade para com as minhas colegas mais castigadas e por não ser hipócrita, não fui.
Vim a saber depois que afinal, quem compareceu em peso, foram as que tinham sido mais castigadas.
Ora toma!
Contaram-me agora, que ainda é viva e está num lar.
Agora, também ela sujeita aos humores das cuidadoras.
É difícil para mim imagina-la numa situação de dependência e inferioridade.
Será que ainda se lembra do que eu me lembro?
Apesar de tudo, desejo-lhe um fim de vida tranquilo.
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