quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Benjamim, Pedro e Bárbara

 Não sou, de todo, a maior fã da escrita de Pedro Chagas Freitas. Por isso mesmo, estou à vontade para tentar, apenas tentar, enaltecer a coragem que ele teve para expôr a maior fragilidade que um pai pode ter. Um filho. Costumo dizer, que na sua escrita, não são necessárias tantas frases identicas pra dizer a mesma coisa. Mas neste "diário" a que nos habituou, entendi como pra dizermos o que nos vai na alma, todos os vocábulos são insuficientes, inexpressivos, curtos, leves. Que sofrimento indizível, que medo imensurável, que dor tão profunda. É verdade, que, como o Benjamim, há milhares de outras crianças em sofrimento. Outros pais em apneia como os dele. Que me perdoem. A eles tambem o meu abraço solidário. Que os Benjamins desta vida, tenham os pais, os médicos, os enfermeiros, os auxiliares, os hospitais, os órgãos, a força e a coragem desta familia. Grata pela lição dada pelos três! Muita saúde Benjamim, Pedro e Bárbara!

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Lindos de morrerrrrrr

 Quando eu era criança e dormia em casa dos meus avós maternos, tinha que me deitar logo ao anoitecer. Os meus avós estavam cansados das lides no campo e a noite era pra descansar. Mas as noites lá em casa, pra mim eram pouco descansadas. É que a minha avó tinha um relógio de parede, que badalava ás horas certas e meias horas. Se me deitasse ás nove, pouco tempo depois de adormecer, lá tinha que acordar com dez longas badaladas, voltar a adormecer, voltar a  acordar com onze e tentar resistir ás doze se já estivesse em sono profundo. Ao alvorecer, tudo voltava, a cada hora com mais badaladas e eu com cada vez mais vontade de estraçalhar aquele objeto de tortura. Mas isto foi há cinquenta anos!

Agora, 2024, eu senhora idosa, sono mais frágil e um casal de pavões que diariamente celebram o nascer de mais um dia. Lindos, lindos, lindos. Mas, a cada alvorada, volto a ouvir as doze badaladas do relógio da minha avó. Irada, apetece-me tirar-lhes a corda. E acabar com berros ensurdecedores ao amanhecer. Não me provoquem! Sem sono dormido sou imprevisível!

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Miguel Torga

 MIGUEL TORGA, nasceu em 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta

Faleceu em Coimbra, em 17 de Janeiro de 1995.
«ROMANCE
Ora pois: foi tal qual como vos digo:
Minha Mãe, certo dia, pôs a questão assim:
— ou Ela, ou eu!
E ficou resolvido que no dia doze
minha Mãe parisse,
e pariu!
Pariu e ninguém se opôs! Ninguém!
Como se fosse um feito glorioso
Parir assim alguém, tão nu, tão desgraçado!
Por mim,
Ainda disse que não!
Mas o seu Anjo da Guarda
era forte e tenebroso...
E aquele frágil cordão
Deixou de ser o meu Pão,
O meu Vinho
E a paz eterna do meu coração mesquinho!...
Deixou de ser o silêncio
Delicado e agradecido
Dos meus instintos menores...
Deixou de ser o Norte daquele lago
Onde boiava o meu corpo
Sem alegria e sem dores...
Deixou de ser aquela verdadeira
e sagrada ignorância do meu nome,
Que Satanás me disse, quando disse:
- Respira e come,
respira e come,
Animal!
(A voz de Satanás já nesse tempo
era humana e natural...)
Deixou de ser o mundo e foi um outro!
Foi a inocência perdida
E a minha voz acordada...
Foi a fome, a peste e a guerra!
Foi a terra
Sem mais nada!
Depois,
sem dó nem piedade a vida começou....
Minha Mãe, a tremer, analisou-me o sexo,
E, ao ver que eu era homem,
corou... »