quinta-feira, 25 de abril de 2024

Em 1974

 Naquele dia tudo me parecia estranho. A mim e a todos à minha volta. De manhã não soube de nada porque o meu pai tinha ido trabalhar e a minha mãe não ligava ao rádio. Mas assim que cheguei á escola (telescola, ainda em direto), não havia aulas. A professora mandou-nos pra rua, o que me pareceu ainda mais estranho. Tudo estava diferente mas as viúvas passavam pro cemitério com molhos de flores para enfeitar as sepulturas dos maridos ditadores, a igreja estava aberta para receber as beatas, os bêbados continuaram a emborcar copos na taberna do A. , alheios a tudo, os burros montados pelas senhoras que vinham das aldeias vizinhas às compras, paravam no bebedouro da fonte com a mesma sede dos outros dias, o sol nunca mais aparecia, a professora não nos chamava para entrarmos e até as brincadeiras pareciam estranhas, confusas. Quando finalmente a professora nos chamou para nos dar uma explicação esfarrapada, vimo-la retirar e destruir os retratos de Salazar, Américo Tomás e Marcelo Caetano. Fiquei pasma. Se todos os sábados de manhã éramos obrigadas a cantar o Hino em sentido viradas para tão ilustres figuras......!!!!!! Chamou-lhes ela, ditadores. Irónico, quando ela era e continuou a ser ditadora dos sete costados (digo eu agora porque naquele tempo não sabia o que era isso). Fui pra casa e encontrei o meu pai com o ouvido coladinho ao rádio e a minha mãe a murmurar qualquer coisa baixinho, já farta e sem perceber patavina de nada. Nada naquele dia foi igual aos demais. Toda a gente falava baixinho ainda com medo dos bufos. Até neste fim de mundo! E toda a gente era a pouca que por aqui morava, mas ainda assim, pra mim era muita. Até a minha avó estava atenta ao que se passava no rádio. Nesse dia não pude ouvir QUANDO O TELEFONE TOCA. Era quinta feira e não me lembro se no dia seguinte fui à escola. A euforia da LIBERDADE, não chegou aqui logo nesse dia e talvez nem no seguinte. Pelo menos que eu me lembre. Do que me lembro é que todos diziam que tinha acontecido uma coisa boa. E se era uma coisa boa, eu estava contente. Nesse ano, em Outubro, entrei no ensino secundário e percebi então, minimamente, o que tinha efetivamente acontecido.

Cinquenta anos depois, a minha escola é a casa mortuária, não há crianças no adro, as viúvas não levam flores aos maridos porque compram-nas de plástico, a igreja está fechada porque não há beatas mas há cobiça pela arte sacra, a taberna do A. fechou e ele já morreu, as mercearias fecharam e a malta vai às compras ao hipermercado de carro, o meu pai já morreu sem saber que ao fim de cinquenta anos estamos quase a 24 de Abril, a minha mãe vê o Big Brother num ecrã do tamanho da parede (moderniçes que a revolução lhe ofereceu) e as minhas colegas desse tempo foram à sua vida, como eu,  e raramente vejo uma ou outra. Tenho saudades das ilusões que criámos! E mais não digo!


quarta-feira, 17 de abril de 2024

O homem que limpou o cu com um rolhão de papel esfarrapado

 Li "o homem que mordeu o cão", logo na primeira edição. Não é nenhuma obra prima da literatura mas eu gosto de crónicas. E se tiverem uma boa dose  de humor, mais ainda. E cada vez que "enceto" um rolo de papel higiénico lembro-me logo do livro. E tenho de concordar com Nuno Markl. Mas porque raio tem a ponta do estupor do papel, que ter tanta cola? Uma pessoa tem de esfarelar meio rolo ate encontrar o caminho certo pra começar a desenrolar. Só tem uma coisa boa. Adivinhem!!!!!!!!