Eram primos do meu pai, o Leão, o Urso, o Matuto e a Doninha. Mas foram os primos mais presentes na minha infância. Pobres, casa pobre, dificuldades mil que a tia N. fazia o que podia para superar, trabalhando em "senhoras" que a exploravam até ao tutano. Já para o tio M., era indiferente se os filhos tinham o básico, já que para ele, o mais importante era ter para a sua "pinguinha". Acredito que nem o fazia de forma premeditada. Fazia-o porque quase todos assim agiam e era assim e pronto! Não havia eletricidade e a tia M., alem da roupa das senhoras, ainda lavava a de uma casa cheia de crianças que brincavam descalças e com arcos, carrinhos de rolamentos, pistolas improvisadas e guerras em trincheiras como nos livros de banda desenhada. Eramos todos pobres. Mas alguns eram ainda mais pobres. Mas isso não lhes tirava a vontade de brincar, a alegria, a vontade de cantar e era uma alegria vê-los e ouvi-los. Havia sempre um ruído intenso mas colorido, leve, de coisa boa. Na mesa não havia fartura mas não se passava fome. Gosto de me lembrar deles todos à pequena mesa da "casa do forno", a "picarem-se uns aos outros, o tio M sempre com um gato ao colo e a tia N. numa roda viva, como se tivesse corda a tentar que tudo corresse "na graça de deus". Gostava tanto do arroz que ela fazia com feijão e petingas tritas! Dos fritos fofos, das azevias, do pão. Gostava tanto do pão dela. Tinham a Violeta, uma cadela pequena e linda que certamente gostava de mim, mas que eu, menina mimada e parva repelia, subindo bancos ou o que estivesse a jeito. E havia uma tal ordem neste caus, que quando não se ouvia gritaria tudo parecia de pernas pro ar. Do avesso. Estranho. Entretanto fomos crescendo. O Urso, o mais velho, foi pra guerra na Guiné. O Leão, para Angola mas voltaram ilesos, a Doninha entrou na Função Pública. E o Matuto, o nosso Matuto, morreu! O tio M. tambem já morreu há uns anos. Mas a tia N. Já com mais de noventa anos, ainda vive, com o peso dos desgostos e do cansaço a contrariar a vontade que ela tem de aproveitar a companhia da filha, já aposentada e que agora faz por ela o que ela sempre lhe fez. O que podia! E eu gosto muito delas. Deste resto de gente que faz parte de mim. Para sempre.
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