Enquanto se manteve vestido e falava longe de mim sem que eu ouvisse bem o que dizia, o que me passou pela cabeça, foi que devia ser uma daquelas pessoas que gostam de dar nas vistas. Mais ainda, quando estão frente a muitas câmaras. Quando se aproximou de mim e ouvi tão duros lamentos, percebi que estava enganada. Mais ainda, quando sem pudor, se despiu das vestes com que se apresentou no inicio. Este senhor, que eu só aqui divulgo porque o intuito da sua presença era mesmo fazer-se notar, tem a pele de todo o corpo queimada. Não tem cabelo e esteve meses no hospital sem grandes esperanças de sobrevivência. Quando se ergueu para uma nova vida, foi-lhe atribuída pela segurança social uma pequena pensão vitalícia. Mas na vida anterior, este senhor tinha aberta em Figueiró dos Vinhos, uma pequena loja que era o seu sustento. Mas alguem achou que, acumular a "choruda" pensão com os lucros da loja era demasiado, por isso foi obrigado a encerrá-la.
O que à primeira vista me parecia loucura, era, afinal, indignação. E, de certeza quase absoluta, com tantas câmaras, ouvidos e olhos ali tão perto, a sua história só vai aparecer aqui neste meu cantinho. Porque a mim me tocou. Bem fundo no coração. E senti vergonha alheia, por, com tanta gente ali que tanto o podia ajudar, apenas se vissem sorrisos sarcásticos. Doeu-me.
Ele anda agora de porta a porta a vender queijos, honradamente, para não morrer de fome.
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