quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Apagão

Ontem, faltou a eletricidade durante mais de meia hora, ao cair da noite, e ficou tudo às escuras.
Acendi duas velas e a lareira, e fiquei a olhar para o lume a arder e a lembrar-me de como era quando nunca havia luz. Quando tricotava as minhas próprias camisolas à luz de um candeeiro a petróleo, quando passava noites a ler à luz do mesmo candeeiro, quando, olhando agora à distancia de algumas décadas, tudo se via à meia luz.
Entretanto, voltou tudo à normalidade, mas o meu subconsciente deve ter ficado a pensar naquilo.
Então não é, que fui sonhar durante a noite, com os dias que passava em casa da minha avó T., onde também não havia luz elétrica, como na minha casa?  A minha avó T., não era uma avó afetuosa.
Mas era a minha avó e apesar de não a achar uma avó como a outra, também gostava dela.
E no meu sonho, tal como quando era real, à noite, a minha avó vinha sempre ao quarto certificar-se de que estava tudo bem, antes dela própria adormecer.
E era nessa altura, que, para mim, a minha avó se transformava noutra pessoa.
O carrapito do dia, farto e alvo, era à noite um manto branco que lhe adocicava a silhueta baixa e de camisa de noite até aos pés. Não era de beijos. Mas aconchegava-nos a roupa com tanta meiguice que eu sentia que gostava de mim à maneira dela.
E no meu sonho, o quarto era igualzinho ao que era naquele tempo: a cama de ferro azul turquesa, a mesa de cabeceira, que por acaso agora é minha, com tampo em pedra preta (que deve ter um nome mas eu não sei qual é), o roupeiro sempre cheio de cobertores e com os fatos domingueiros, e o lavatório de ferro com uma toalha bordada, uma bacia e um jarro de loiça.
Mas a minha memória, até em sonho, não se esqueceu de um pormenor que naquele tempo me encantava: uma roseira que havia bem junto à janela, que ameaçava entrar por ali dentro com as suas rosas de açafate tão cheirosas.
Lembro-me, que quando era a festa da padroeira, em 8 de setembro, vinham primas e primos de todo o lado e aquele quarto ficava cheio de meninas e camas até à porta. Na cama azul, ficavam quatro, duas à cabeceira e duas aos pés. E o chão, era para quantas dava.
O jantar era sempre galo caseiro e a minha avó fazia uma canja com um sabor único. Talvez por ser feita ao lume de lenha.
Vinham as sobrinhas que a paparicavam e ela finalmente sorria, o que era raro.
Isto já não entrava no sonho. Mas era tudo tão real, que eu continuei a sonhar mesmo depois de acordada.

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