terça-feira, 23 de maio de 2023

domingo, 21 de maio de 2023

A G é Educadora de Infancia

 Mas não trabalha numa escola ou colégio. Não! A G é Educadora de Infancia no Hospital de Santa Maria. Agora, trabalha com os meninos e meninas que estão em Hospital de Dia. Mas já trabalhou com meninos e meninas que nunca mudavam de sala. Porque não faziam mais um ano. Meninos e meninas que deixavam de fazer anos. A G diz que, por isso, passou a encarar a vida de uma maneira diferente. Porque no trabalho da G a morte era esperada. Para os seus meninos e meninas. Agora, com mais de sessenta anos, e à beira da reforma, a G diz que não sabe se haverá quem a substitua. Porque os mais novos talvez não tenham a coragem de levar normalidade a meninos e meninas que não mudam de sala. A G passou a fazer parte da minha galeria de Pessoas Especiais.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Superação

 Quem me conhece, sabe que sou pouco (nada) dada à espiritualidade. Recentemente, fui desafiada a fazer uma peregrinação a Fátima. Pessoa que gosta de desafios e conhecer os seus limites, anuí, não sem algumas reservas. Reservas, apenas, em relação à minha capacidade fisica para tão grande empreitada. Dois dias antes, fiquei um dia sem comer, por conta de uma grande lambarice. Comi uma quantidade enorme de nêsperas e fiquei com as entranhas às voltas sem conseguir engolir nadinha. No dia seguinte, uma constipação das grandes, dores no corpo, indisposição desgraçada tudo junto com duas noites mal dormidas. Mas no dia combinado lá fui. Diminuída nas minhas capacidades físicas e anímicas, lá vou eu, convencida de que nos primeiros quilómetros cairia pro lado. Ná!!!! Primeiros dez quilómetros num ápice e sem nenhuma dificuldade. Subir serra e descer serra, já com a lingua quase de fora, mas muito bem acompanhada e cheia de vontade de superar o papão  da distância. Até aos vinte quilómetros a coisa foi andando. Até que, a malta quis parar para comer e descansar durante mais tempo do que até ali. E foi o nirvana! Comer, beber, despejar a bexiga, rir, brincar, malta SÓ faltam pouco mais de dez quilómetros! É verdade que nos deu algum ânimo, mas tambem é verdade que,  fisicamente, não foi fácil voltar a "aquecer". A partir dali, foi a dificuldade. E mais dificil ainda foi chegar è entrada de Fátima, ali mesmo a tirar foto à placa e ter pela frente quase três quilómetros.  Até ali, apesar de termos seguido trilhos assinalados para peregrinos e não termos avistado nem um ponto de apoio ou até, no mínimo, um banco de pedra pra nos sentarmos a beber água, chegados a Fátima, tudo se repetiu. Da placa até ao santuário, nem um banco. Precisamente quando os peregrinos mais necessitam de um pequeno descanso. Nalguns sítios, nem passeio. Só terra com pedras soltas, o caus para os nossos pés já tão doridos e cansados. Já no santuário, não há trocos pra quem comprar velas. Se quiser pode enfiar a porra da nota dentro da greta, mas "AQUI NÃO HÁ TROCOS". Fiquei com a convicção de que em Fátima, tudo gira à volta do lucro à custa de quem, em sofrimento pelos mais variados motivos, ali procura apoio e ajuda. Deceção completa.

Mas, apesar de tudo, afirmo com o maior orgulho, que foi um dos melhores dias da minha vida. Partilhar dificuldades, superar medos e espectativas, criar uma relação de união tão peculiar, fez aumentar entre nós uma certeza de que juntos somos mesmo mais fortes. Apertamos laços e ficamos mesmo com a certeza de que deviamos ter sempre presente  UM POR TODOS E TODOS POR UM. Obrigada filhas! Obrigada Sr. A! Foi um dia de boas aprendizagens. E muitas certezas.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Manhouce, a aldeia onde nasceu a mais bonita voz de Portugal

 




" Ser de Manhouce é ter tido a sorte de pertencer a uma terra onde a natureza, o homem e Deus, ainda estão de mãos dadas"
Isabel Silvestre

terça-feira, 2 de maio de 2023

A minha faria hoje 111 anos. E faz-me tanta falta!

Carta de José Saramago a sua avó, em 1968. Um texto lindo, ternurento, tão doce.


 "Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo — e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.

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Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira — sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
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Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja.(Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?)
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Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos — e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti — e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas — e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»
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É isto que eu não entendo — mas a culpa não é tua."