terça-feira, 27 de setembro de 2022

Duas flores.

 São duas flores unidas

"São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol."


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

"Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção."

Miguel Torga

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Querida migalhinha, a brincalhona!

 

Pedagogia

Miguel Torga
Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende…
A vida compra e vende
A perdição,
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!
Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás de ser.




domingo, 11 de setembro de 2022

A vida e a morte

 Há poucos dias passei na casa dos meus avós maternos. Tenho memórias daquela casa, que não sendo todas muito boas, tambem não são más e fazem parte da minha história. Ver casas abandonadas deprime-me. Ver abandonada uma casa onde já vivi tantos momentos, mais ainda. Toda a casa está em mau estado. Mas a casa do forno, a que me trás mais memórias, já não tem um bocado do telhado.  Já não é a casa do forno da avó T. Era pequena, muito humilde, mas a sala de visitas da avó. Tinha um "patim" na frente, em cimento, e, de um lado da porta estava a pequena cadeira onde a avó se sentava a costurar com o pequeno açafate aos pés. Do outro lado, o grande alguidar de barro onde ela amassava o pão. Atrás da porta de zinco ondulada e pintada de verde, o saco com a farinha por peneirar que o moleiro trazia à quarta feira e na parede uma saca de serapilheira dobrada em forma de capuz pendurada por cima do chapéu de chuva do avô C. Na parede do lado direito, destacava-se a grande cantareira, sem vestigios de tinta ou outro material, muito ao natural e com ar de muito velha. Nos cântaros, dois, água das Frazôas. Da fonte de mergulho onde toda a aldeia ir buscar água pra beber, e com a que saía continuamente, as mulheres lavavam a roupa logo ali, numa pedra, com água corrente. Os eucaliptos que plantaram lá perto secaram-na pra sempre há muitos anos. Ao lado da cantareira, a pequena arca onde guardava o pão. Pintada de verde, já desgastada e encimada pela prateleira de madeira tambem pintada de verde e com umas poleias lindas em ferro forjado que eu achava encantadoras. Na parede em frente à porta, o louçeiro. Com pouca loiça, onde a avó guardava a mercearia e o fermento para a proxima cozedura. Talvez por isso, quando se abria a porta, cheirava muito a azedo. Ao lado, uma mesa pequena, baixa, tambem verde ou quase, e uma cadeira tambem pequena que era onde, invariavelmente, o avô se sentava pra comer. Na parede do lado esquerdo, ao fundo, a lareira. Grande e onde a avó tinha uma fornalha  toda de barro, a fazer lambrar uma mini casa berbere. No inverno sempre acesa e com uma cafeteira com água sempre a jeito de fazer café pra quem aparecesse. Ao lado, a vassoura de urze encostada à parede. No grande pilar de madeira encostava-se a avó, rainha no seu tosco trono. Ao canto do lado esquerdo, o lavatório de ferro. Quando dormia em casa deles, era ali que jantávamos. Depois da janta, o avô adormecia com os braços em cima da mesa e a avó encostada no grande tronco, encostava a palma da mão à face a adormecia tambem. Eu, sozinha, ficava ali a olhar para as ripas do telhado, negras do fumo, sem saber como me portar. Se os acordava, se ficava ali calada a vê-los dormir. Penso que o sono da minha avó era leve porque não demorava muito e lá se levantava ela, candeia na mão, pra me acompanhar ao quarto. Era mulher de poucas falas, pouco riso e um bigode que lhe tornava os raros sorrisos ainda mais apagados. Levava-me ao quarto e, já depois de eu adormecer, aparecia como um fantasma, camisa de noite muito larga, candeia na mão e cabelo solto, muito comprido e tão branco como a camisa. Compunha-me a roupa, num raro momento de ternura e eu fingia que dormia pra não estragar o momento. Nunca compreendi aquele azedume, aquela permanente tristeza, aquele distanciamento. Mais tarde compreendi. A avó nunca teve mãe. Morreu quando ela nasceu. Quero pensar que era essa a razão. Já o avô, não sendo meigo, era muito brincalhão. Sempre alegre. Parece que estou a vê-lo. De calças de cotim cinzentas, camisa de têvê branca muito encardida no colarinho, colete escuro e relógio de bolso com corrente de prata. Na cabeça um barrete preto e nos lábios sempre um sorriso sem dentes. Nem um dente. Mas ainda assim, comia de tudo como todos nós. Aos domingos e dias santos, trocava o barrete pelo chapéu e compunha a farpela com uma bengala que ele usava com destreza. Era um pândego, o avô C. 

Doeu-me ver a casa assim, já sem ser casa, tão morta como eles. 

E hoje, o atual dono, o filho, meu tio, morreu. É a vida e a morte. Sempre a girar.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

sábado, 3 de setembro de 2022

"Vamos fazer o que ainda não foi feito"


 

"Vem esta noiteFomos tão longe a vida todaSomos um beijo que demoraPorque amanhã é sempre tarde demais
Vem esta noiteFomos tão longe a vida todaSomos um beijo que demora
Sei que me vêsQuando os teus olhos me ignoramQuando por dentro eu sei que choram
Sabes de mimEu sou aquele que se escondeSabe de ti sem saber ondeVamos fazer (o que ainda não foi feito)
Trago-te em mimMesmo que chova no verãoQueres dizer sim, mas dizes nãoVamos fazer o que ainda não foi feito
E eu, sou mais do que te inventoTu és um mundo com mundos por dentroE temos tanto pra contar
Vem nesta noiteFomos tão longe a vida todaSomos um beijo que demoraPorque amanhã é sempre tarde demais
Eu sei que dóiSei como foi andas tão só por essa ruaE as vozes que te chamam e tu na tuaEsse teu corpo é o teu porto, é o teu jeitoVamos fazer o que ainda não foi feito
Sabes quem souPara onde vou a vida é curva, não uma linhaE as portas que se fecham e eu na minhaA tua sombra é o lugar onde me deitoVamos fazer o que ainda não foi feito
E eu, sou mais do que te inventoTu és um mundo com mundos por dentroQue temos tanto pra contar
Vem nesta noiteFomos tão longe a vida todaSomos um beijo que demoraPorque amanhã é sempre tarde demais
Tens uma estrada, tenho uma mão cheia de nadaSomos um todo imperfeitoTu és inteira e eu desfeitoVamos fazer o que (ainda não foi feito)
E eu, sou mais do que te inventoTu és um mundo com mundos por dentroE temos tanto pra contar
Vem nesta noiteFomos tão longe a vida todaSomos um beijo que demoraPorque amanhã é sempre tarde demais
Vem nesta noiteFomos tão longe a vida todaSomos um beijo que demoraPorque amanhã é sempre tarde demais
Porque amanhã é sempre tarde demaisAmanhã (porque amanhã é sempre tarde demais)Porque amanhã é sempre tarde demaisO que que é amanhã (porque amanhã é sempre tarde demais)A sempre amanhã é sempre tarde demais
Porque amanhã é sempre tarde demaisPorquePorque amanhã (é sempre tarde demais)Como é que é (porque amanhã é sempre tarde demais)"